O Ex-senador Lauro Campos (PDT-DF) leu na sexta-feira
(19/10/2001), em Plenário um texto poético de sua autoria que trata da
religiosidade e do modo de ser do homem e afirmou que o básico no ser humano é
a dúvida, é a consciência dos limites e da fragilidade. Para o senador, ser
íntegro, inteiro, coerente e pleno é assumir a dualidade. "Ao
afirmar que não tenho religião, reúno todas as crenças. E seria mais
conveniente que fosse lido no dia de todos os santos.
Muito carinhosamente publico este escrito nesse dia de todos os santo como vontade do autor, que, não conheci pessoalmente, mas através de alguém cuja fidelidade com seus escrito é de alma. Prof.º Carlos Lima, obrigada por ter me ensinado a" ler".
Um Santo Para os
Ateus.
“Quê? Perguntam-me se tenho religião, se creio em Deus? Gostaria de não ter
religião, de ser uno e inconsútil, sem emendas, e não religado, religioso. Gostaria
de desenvolver o cristal que existe em mim, a transparência que não permite
colagens, religações, religiosidade.
Eu não sou uma arvore que apenas balouça seus galhos como braços
desarticulados, suas folhas silenciosas e dependura seus frutos que não sabe se
quer que são saborosos; eu não sou uma arvore que liga sua parte superior, viva
e mutante, ao chão, por meio do tronco uno e frio. Eu sou um ser humano cuja
fragilidade se afirma em cada passo que não passa de uma queda interrompida. Eu
sou um ser dual, cindido desde os pés por uma ambiguidade básica, por uma
fissura que me move. Meus braços e minha cabeça se plantam no meu tronco e este
se equilibra sobre a fragilidade e a dualidade das pernas. Ao invés de galhos,
de folhas e de frutos, agito braços desgalhados e produzo palavras, expresso
sentimentos, paixões, sensações, ideias e ideais.
O que é básico em mim é a dualidade, a ambivalência, a duvida, o medo de
cair e de morre. A terrível consciência de meus limites e de minha fragilidade
coexiste com minha inteligência, minha força, meus infinitos a cada momento
alcançados e, em seguida, ultrapassados. Minha duvida essencial, minha
ambiguidade fundamental produzem uma consciência sempre angustiada, ou
angustiada sempre que a consciência pousa e se apodera da intimidade do
real. Quero ser uno, íntegro, inteiro. Não
quero mentir, mas não tenho forças para arrostar a verdade e a realidade
angustiantes e implacáveis.
Ser coerente e ser pleno é assumir por inteiro a minha dualidade, as
minhas ambiguidades; conscientizar-me de minhas duvidas e abraçar, unindo-as,
as minhas partes contraditórias. Minha consciência ainda é uma ilha cinza no
meio do mar de ondas negras e ameaçadoras, capazes de fazer submergir minha luz
pequena.
Eu sou um palco de infindáveis diálogos entre as partes opostas que compõem
a minha diversidade. Se eu fosse um homem-cristal, transparência e lucidez, eu
seria um cristal quebrado, cindido, dual, porque cristal-homem.
Ao assumir minha verdade, tenho de confessar que, embora não queira admitir
minha fissura, minha religação, minha reunião, e me rebele contra essa essência
verdadeira, dual, ao afirmar que não tenho religião, estou dizendo que, ao
mesmo tempo, possua todas as crenças, ritualizam em mim as magias primevas,
existem em mim pavores e fraquezas, avoengos e mitos primitivos. Sou um ser
fraco, dual e religioso: um ser que se
rendeu à verdade. Mas, se meu Selbst junguiano
ou meu id e meu inconsciente freudianos
são habitados por todas as religiões, mitos, crenças e fantasias, eu também sou
ateu e materialista.
A ilha cinza de minha consciência perdida
quer ser continente , vencer ondas negras e brilhar. Ela sabe que o único brilho
possível é o clarão angustiado do ser consciente.
Sou um velho e, de repente, desperta em mim a criança que dormia em meu
esquecimento. Levanta, corre e brinca o meu eu criança.
Nos momentos de plenitude, de força, de levitação, prescindo de minhas
pernas, levito. Esqueço os deuses e peco ao assumir-me como totalidade coesa e
coerente. Talvez, sugere minha dúvida, ao se fazer materialista e declarar sua independência,
você tenha encarnado um semideus: ao se transformar, você se hipostasiou e veio
a ser apenas Narciso, o demiurgo da vaidade. E, assim, reafirmo a dualidade e a duvida que, junto com
o trabalho e a linguagem, me produziram, me modelaram e me transformam.
O que procura, então, nessa vida sofrida, por que o olhar já embaçado, os
cabelos embranquecidos por uma inquietação constante, por um trabalho continuo,
por um pesquisar e indagar sem fim, se não procura a verdade, por que ela vem
de mão dadas com a angustia? Se não quer ser sábio e desdenha do poder, o que
deseja, então, pergunta uma parte as minha unidade à outra parte da minha
diversidade. No fundo, tenho de assumir que, materialista e ateu, quero mesmo é
ser santo. Não um santo qualquer, com velas nos pés, cercado de uma multidão de
devotos e incomodados pelos pedidos sem fim de socorro, pelas solicitações de
milagres meus....
Para cada desvalia, para cada sofrimento ou cada aflição existe im santo
de plantão: o santo das crianças, o santo dos velhos, o santo dos negros, o
santo dos maus políticos, o dos ladrões, e o das prostitutas. Ate mesmo os
genocidas e os banqueiros tem seu santo, o que provaria a infinita misericórdia
de Deus, se ele, existindo, protegesse os bons e a corja, praticando, ao
nivelar os opostos, estranha e incompreensível “justiça”.
Só os materialistas e ateus não tem santo e, por isso, o santo dos ateus
seria o mais humilde e esquecido de todos os santos. Logo, o menos vaidoso, o
mais santo deles...”
Humildemente,
candidato-me a ser santo dos ateus.
Muito obrigado,
Sr. Presidente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário