Discurso de inauguração do Encontro Internacional de
Arte, Ciência e Cultura pela Democracia no Chile. Em Julho de 1988, em plena
ditadura do General Pinochet.
“Dizemos
não ao elogio do dinheiro e da morte.
Dizemos não a um sistema que põe
preço nas coisas e nas pessoas, onde quem mais tem é quem mais vale; dizemos não a um que destina dois milhões de
Dolores para as armas de guerra, enquanto mata, por minuto, 30 crianças, de
fome ou doença curável. No Brasil de
hoje, destinamos bilhões as pompas do Carnaval, do Futebol, da corrupção... a
bomba de nêutrons, que salva as coisas e aniquila as pessoas, é um perfeito
símbolo do nosso tempo. Para o sistema assassino que em objetivos militares as
estrelas da noite, o ser humano não é nada mais do que um fator de produção e
consumo e objeto de uso; o tempo não é outra coisa que um recurso econômico; e
o planeta inteiro, uma fonte de renda que deve render até a última gota de seu
caldo. A pobreza é multiplicada para que
a riqueza possa se manter. Nós dizemos
Não a um sistema que nega comida e nega amor, que condena muitos a fome de
comida e muitos à fome de abraços.
Dizemos não à mentira. A cultura dominante, que
os grandes meios de comunicação irradiam em escala universal, nos convida a
confundir o mundo com um supermercado ou uma pista de corrida, onde o próximo
pode ser uma mercadoria ou um competidor, mas jamais um irmão, ou companheiro profissional na luta por um
ideal comum, por esse pensamento é
que dificilmente vemos continuidade nos programas e projetos de governo,
estamos sempre querendo provar que fazemos mais e melhor. Essa cultura mentirosa, que grotescamente
especula com o amor humano para arrancar-lhe mais-valia, é na realidade a
cultura do desvinculo: tem por deuses os ganhadores, os exitosos donos do
dinheiro e do poder, e por heróis os rambos fardados que cuidam de suas costas
aplicando a Doutrina da Segurança Nacional. Pelo que diz e elo que cala, a
cultura dominante mente que a pobreza dos pobres não é um resultado da riqueza
dos ricos, mas que é filha de ninguém, vinda no bojo de uma couve-flor ou da
vontade de Deus, que fez os pobres preguiçosos e burros.
[...]
E neste estado de coisas, nós dizemos não
à neutralidade da palavra humana. Dizemos não
aos que nos convidam a lavar as mãos perante as cotidianas crucificações que
ocorrem ao nosso redor. À aborrecida fascinação de uma arte fria, indiferente, contempladora
do espelho, preferimos uma arte quente, que celebra a aventura humana no mundo
e nela participa, uma arte irremediavelmente apaixonada e briguenta.(1988)
Julgamento e condenação do poderoso cavalheiro doutor
dinheiro
“Todos pagam o que uns poucos gastam. Para poucos, a
festa. Para todos os demais, a conta. Os lucros são privatizados, as bancarrotas
são socializadas. O povo financia a repressão que o castiga e o esbanjamento
que o atraiçoa.”
“através dos empréstimos, a tecnocracia impõe um
modelo de desenvolvimento alheio às necessidades de cada país, que promove o
consumo artificial e estimula um modo de vida importado, torra os recursos
naturais, idolatra a moeda e despreza as pessoas e a terra.”
A obra de um fotografo brasileiro: Salgado em 17
imagens
“Na verdade, é difícil olhar estas figuras
impunemente. Não imagino que alguém possa sacudir os ombros, virar a cabeça e
afastar-se assoviando, cego e alheio, como se não tivesse visto nada.”
E fico a
perguntar, quais as fotografias que vemos diariamente perante nossos olhos? O
que nos mostra nossas esquina? O que vemos da janela do carro? do quarto? do
ônibus? (Acréscimos meus).
“No chamado Terceiro Mundo, morrer de bala é
‘natural’. Do ponto de vista dos grandes meios de comunicação que incomunicam à
humanidade, o Terceiro Mundo está habitado por gente de terceira classe, que só
se distingue dos animais porque caminha sobre duas pernas. Seus problemas
pertencem à natureza, não à história: a fome, a peste, a violência, integram a
ordem natural das coisas.”
Cuba, trinta nãos depois: uma obra deste mundo.
Os visitantes honesto descobrem, na ilha, uma
realidade alucinante e contraditória e muito terrenal. A revolução, feita de
barro humano, não é obra de deuses infalíveis, nem de malignos satanases: ela é
deste mundo e, por ser deste mundo, é também do mundo que virá.
A realidade desconcerta os que esperam encontrar um
grande campo de concentração rodeado de palmeiras, um povo castigado, condenado
ao medo eterno: é preciso muito preconceito para não sucumbir ao abraço deste
povo carinhoso e reclamão, que se queixa e ri a viva voz e contagia de
dignidade e frescor quem se aproximar. Qualquer um que não tenha teias de
aranha nos olhos pode ver que as pessoas se expressam a todo vapor, e que é
impossível dar um passo sem tropeçar em algum hospital ou alguma escola.
Mas não se
desconcertam menos os que comparecem a um encontro anunciado reino da perfeita
felicidade: em cuba encontram lojas vazias, telefones impossíveis, transportes péssimos,
uma imprensa que parece as vezes de outro planeta e uma burocracia que para
cada solução tem um problema. A burocracia está empenhada em transformar a vida
cotidiana das pessoas numa subida ao Gólgota.
[...] A burocracia, inimiga da esperança, desprestigia
o socialismo. Sua assombrosa capacidade de ineficiência e seu costume de dar
ordens em lugar de explicações fazem a indireta propaganda do egoísmo como
destino inevitável do homem. Se fosse pela burocracia, os Estados socialistas
seriam cada vez mais Estados e menos socialistas, o que equivale a reconhecer
que a condição humana não merece nada melhor que o reino capitalista da cobiça.
Mas a justiça social não tem razão para ser inimiga da
liberdade, nem da eficácia, e o socialismo enfrenta este tremendo desafio no
mundo de nosso tempo.
Nós dizemos Não de Eduardo Galeano é um livro pequeno e bastante denso, faz uma denúncia social de forma poética. Apesar de ser um livro datado de 1990, o que tenho em mãos, percebi sua escrita atual, claro muitas coisas mudaram, o que não quero dizer para melhor, os diversos problemas sociais descritos no livro, mudaram apenas de nome, mas sua essência continua a mesma. O Fino fruto do sistema capitalista.Paula Menezes.
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